A Direção-Geral do Património Cultural remeteu um ofício ao Município a dar conhecimento do arquivamento do pedido de abertura de procedimento de classificação de âmbito nacional do painel de azulejos, que existe no Café Mandarim. Nesse ofício, informa que a decisão é justificada pelo fato do painel de azulejos não reunir os valores patrimoniais inerentes a uma distinção como valor nacional. No entanto, considera que o bem imóvel pode merecer a classificação como Bem de Interesse Municipal.
Agora, a proposta que vai a Executivo integra o parecer da Direção-Geral do Património Cultural, de forma a justificar o início ao procedimento de classificação como Bem de Interesse Municipal. No referido parecer, é dito que esta obra de Vasco Berardo “representa inegavelmente um valor patrimonial com significativa importância a nível artístico, bem como histórico-cultural e social, como testemunho de uma época específica da arte portuguesa e de vivências e factos históricos de singular importância a nível local”.
Acrescenta que se evidencia por um lado a qualidade artística do painel, pela cor, pelo caráter da representação, pela presença do neorrealismo que se insere numa primeira geração dos modernistas portugueses, mas também pelo significado no contexto político e social de então. “Se tivermos em consideração os elementos essenciais para a fundamentação de um processo de classificação de um bem imóvel, nomeadamente os critérios gerais, de carácter histórico-cultural, estético-social e técnico-científico, e os critérios complementares, de integridade, autenticidade e exemplaridade, parece-nos que este painel lhes corresponde inteiramente”, é defendido.
Segundo o mesmo parecer, “ a sua importância a nível histórico-social e artístico, ao que se acresce o seu simbolismo e valor imaterial, como testemunho de uma época crucial em termos político-sociais, encontra-se interligada à figura de Vasco Berardo, artista de relevo, quer na cidade de Coimbra, que lhe valeu em 2010 a distinção com a Medalha do Centenário da República Portuguesa pela Câmara Municipal de Coimbra, quer a nível nacional e internacional, que lhe valeram outras distinções idênticas”.
Vasco do Vale Berardo de Andrade nasceu a 5 de novembro de 1933, em Coimbra, onde veio a falecer a 1 de julho de 2017. Fez a instrução primária na escola de Celas, e com apenas 12 anos de idade vai frequentar o atelier do Mestre José Contente (1907-1957), com quem teve aulas particulares, onde começa a aperfeiçoar as técnicas de desenho e gravura. Em 1946 ganha o 1º prémio de desenho no Salão Provincial de Educação Estética, e, nesse mesmo ano, começa a trabalhar na Estatuária Artística de Coimbra. Em 1948 vai trabalhar para uma fábrica, a Cerâmica de Souselas, onde irá permanecer até aos 16 anos, no sentido de se poder dedicar mais intensamente à cerâmica artística e de conhecer as técnicas utilizadas. Segundo as informações disponibilizadas, terão contribuído para o seu enriquecimento profissional os mestres Manuel Pereira, oleiro, António Vitorino, aguarelista, e o arquiteto Fernandes. Juntamente com outros jovens artistas, vai fundar o grupo denominado “Os Novos de Coimbra”, com os quais participará em várias exposições coletivas entre 1951 e 1956.
Após cumprir serviço militar em 1954, vai trabalhar no atelier do seu irmão José Berardo, realizando trabalhos de cerâmica, e colaborar na ilustração de poesia, bem como na capa de livros para a revista Vértice. Em 1956 realiza o seu primeiro mural cerâmico, de influência neo-realista, “Os Carregadores”, para os Estados Unidos da América, e em 1959, executa então o painel de azulejos para decorar o então Café-Restaurante Mandarim. Em 1961 abre a fábrica “Faianças Berardos”, em Taveiro, com o seu irmão Alberto Berardo, onde executa o seu primeiro trabalho em baixo-relevo para a residência do jornalista Rocha Pato. Em junho de 1962, devido às convulsões da época, é preso com um grande grupo de Coimbra. Esteve detido na PIDE, sendo depois transferido para Caxias, onde permaneceu três meses, e, finalmente, para o Aljube, onde continuou detido até dezembro do mesmo ano. Em 1965 surge a sua primeira exposição individual. E isso foi só o começo.
Quanto ao Café-Restaurante Mandarim, com projeto e decoração do arquiteto Carlos de Almeida, foi inaugurado em 1960. Para o mesmo, foi feita uma encomenda a Vasco Berardo, de um painel de azulejos de grandes dimensões, que foi executada pelo artista aos 25 anos de idade, entre 1959 e 1960.
Esta obra espelha a aprendizagem artística, a capacidade técnica e o percurso artístico dos anos iniciais da obra de Vasco Berardo, retrata uma época da evolução da pintura em Portugal, e apresenta, paralelamente, grande significado, quer para o ambiente político social conimbricense, quer mesmo como manifestação contra a ditadura vigente em Portugal. Tanto o Arquiteto Carlos de Almeida, como o artista Vasco Berardo, são presos pela PIDE, respetivamente em 1960 e em 1961/62, sendo que Berardo esteve preso durante sete meses.