A visita promovida pelo Município, parra assinalar o Dia Internacional da Mulher, teve início junto à entrada principal das Galerias Avenida, local onde em tempos funcionou o antigo Teatro Avenida, do qual Judite Mendes de Abreu foi sócia-gerente. A vida e obra desta importante mulher conimbricense foi evocada pela vereadora Ana Bastos.
Maria Judite Pinto Mendes de Abreu (1916-2007)
Maria Judite Pinto Mendes de Abreu nasceu a 16 de fevereiro de 1916 na Freguesia de São Julião, na Figueira da Foz. Filha de Maurício Augusto Águas Pinto, comerciante industrial, e de Guilhermina Andrade Pinto, doméstica, descendia de uma família abastada, da classe média.
Enquanto estudante teve um intenso e bem-sucedido percurso escolar. Esteve na Figueira da Foz até ao 5º ano, ingressando depois no Liceu José Falcão, ao tempo situado junto das Escadas Monumentais, e aos 16 anos, em 1933, entra na Universidade de Coimbra acabando por se formar em dois cursos, Letras e Direito.
Casou-se pelo civil com Pedro Falcão Mendes de Abreu a 23 de março de 1940, na Figueira da Foz, e teve dois filhos, António Mendes de Abreu e Pedro Mendes de Abreu. Em 1960 viria a falecer o marido, tendo o primeiro filho falecido a 15 de agosto de 1979, com apenas 33 anos.
Na sua atividade pública encontramo-la como Presidente da Comissão Administrativa da Câmara da Figueira da Foz de outubro de 1974 a dezembro de 1976. Logo após o 25 de Abril, é notória a confiança que os partidos políticos importantes na cena nacional da época depositavam nesta personalidade pública como atuante de mérito na vida política no momento difícil e conturbado da vida nacional. Em 1982 é homenageada pela Câmara Municipal da Figueira da Foz, que a distinguiu com a medalha da cidade e o correspondente título de Cidadã Honorária, e em 1983 foi agraciada com a Ordem da Liberdade pelo Presidente da República, o General Ramalho Eanes.
Em dezembro de 1976, foi eleita Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, cargo que desempenhou até dezembro de 1979. Foi a primeira mulher autarca eleita após o 25 de Abril, nas eleições autárquicas de 1976, bem como a única mulher Presidente da Câmara de Coimbra até aos dias de hoje, cumprindo o mandato até 1979, como independente, numa lista do Partido Socialista.
Posteriormente, notabilizou-se como vereadora desta câmara municipal entre 1980 e 1982, cargo em que se evidenciou pela sua visão alargada do mundo, desenvolvendo relações de amizade e cooperação de Coimbra com cidades de outros países como a França, a Espanha, a República Democrática Alemã, entre outras. Neste contexto, vale a pena salientar que a geminação que Coimbra tem com Poitiers, cidade com a qual o nosso município está a desenvolver este ano o projeto Vivons l’Europe en route pur Poitiers/Coimbra, foi feita ainda durante a edilidade de Maria Judite Mendes Abreu, em 26 de fevereiro de 1979.
Em 1983 tornou-se na primeira mulher a assumir a presidência da Assembleia Municipal de Coimbra, cargo que ocupou até 1986, sendo até hoje a única mulher a ter ocupado este cargo.
Mas a sua intervenção na vida portuguesa não se restringe só à atividade pública. Foi igualmente interveniente, como cidadã responsável, na atividade privada. Destacou-se como cidadã conimbricense, ativista, defensora da liberdade, e dos direitos das mulheres, tendo integrado neste âmbito o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas.
A sua atividade de oposição ao regime do Estado Novo levou-a a tornar-se militante do MUD (Movimento de Unidade Democrática), tendo apoiado a candidatura do General Norton de Matos às eleições de 1949. Integrou também, entre 1970-1974, a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e ainda C.N.A.R.P.A. (Comissão Nacional de Apoio aos Refugiados Políticos Antifascistas,), entre 1974-1975, sendo evidente a sua humanidade e solidariedade para com os presos políticos, numa clara repulsa perante as injustiças vivenciadas na época. Apoiou também a Comissão Organizadora do Tribunal Cívico Humberto Delgado, entre 1977-1978, órgão criado para denunciar e julgar os crimes da época da ditadura e para prender os informadores da PIDE.
Além de professora do ensino particular, pois fora-lhe vedado o ensino público por razões políticas, foi de 1961 até 1994 sócia gerente do Teatro Avenida em Coimbra. Em 2002, já com 86 anos, foi agraciada com a “Medalha de Ouro da Cidade” pela Câmara Municipal de Coimbra, evidenciando o reconhecimento por parte da cidade à qual Judite consignou grande parte da sua vida.
Faleceu a 10 de maio de 2007, depois de uma vida inteira dedicada ao serviço do país e sobretudo de Coimbra, quer no campo da oposição à ditadura, quer na luta pelos direitos das mulheres, quer também na construção da nossa Democracia.
De seguida, foi junto do Monumento a Luís de Camões que, Amélia Janny, poetisa conimbricense da segunda metade do século XIX, foi lembrada pela vereadora Ana Cortez Vaz, por ter contribuído para a angariação de fundos que levou à construção do monumento.
Amélia Janny, poeta ímpar do Romantismo coimbrão (1842-1914)
Amélia Janny nasceu a 25 de fevereiro de 1842, em Coimbra, fruto de um romance amoroso entre António José Marques Correia Caldeira, com a colegial Maria Herculana da Silva Veiga. António Caldeira era natural de Ponte de Lima, sendo à época do nascimento da filha, estudante de Direito na Universidade de Coimbra, onde mais tarde se viria a doutorar e a assumir as funções de professor. Já Maria Herculana casaria com o médico Raimundo Francisco da Gama logo após o nascimento de Amélia, que se tornou para ela num verdadeiro pai.
Desde muito jovem que Janny demonstrou uma invulgar tendência e vocação para a poesia, conseguindo, com apenas 14 anos de idade, ingressar nos círculos literários do tempo, pela mão do escritor e poeta António Xavier Rodrigues Cordeiro, que a apresentou a António Feliciano de Castilho e, por intermédio deste, aos círculos intelectuais de Coimbra. Este último prestou-lhe homenagem pública, apelidando-a de “Musa do Mondego” ou “Nova Safo”, ato que lhe valeu o reconhecimento.
Participou ativamente em saraus literários, tertúlias, cerimónias, festas ou comemorações, e a sua casa, na Couraça de Lisboa, constituía um espaço de tertúlia e convívio entre literatos da época.
Cultivou amizade com escritores como Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Teófilo Braga e Tomás Ribeiro. João de Deus dedicou-lhe um poema e foi retratada primorosamente por Bordalo Pinheiro. Também Teixeira de Pascoais, Alfredo Campos ou Virgínia Gersão se pronunciaram sobre a sua extensa obra poética. Era referida pelos seus admiradores como a última romântica, apesar de Ramalho Ortigão, em “As Farpas”, a ter jocosamente apelidada de cisne do Mondego.
Fosse pelo conteúdo dos versos, fosse pela voz e pela figura jovem e frágil, fosse por ser mulher – uma mulher de Coimbra e em Coimbra –, a sua fama foi-se espalhando e consolidando, até se tornar um símbolo da cidade, um mito que surge em prosa ou verso, em notícias, homenagens e recordações, o que revela o carinho e interesse literário que os seus contemporâneos lhe devotavam.
A partir da década de 1860, passou a ser figura central das manifestações académicas e culturais de Coimbra, colaborando como poetisa, autora de peças para teatro e como conferencista, com destaque para a sua participação nas atividades do Instituto de Coimbra e da Associação dos Artistas de Coimbra. Considerada um grande talento, destacou-se na declamação de poesia, gozando de grande prestígio social.
Camilo Castelo Branco, na sua segunda vinda a Coimbra, exclamou para um amigo: “Vou ouvir, ao romper da alva trinar a Amélia Janny nos sinceirais do Mondego”
Foi, também, uma figura da Canção de Coimbra, sendo autora de muitas letras para fados, além de executar muitos fados ao piano, tendo organizado saraus onde o fado era cantado pelos dois sexos indistintamente, acompanhados pela própria ao piano e por convidados ao bandolim e violino.
Em 1880, a propósito do tricentenário de Camões, Amélia declamou no Teatro Académico a poesia “Pátria”, exaltando o génio brilhante de Camões e incitando a mocidade académica a buscar inspiração naquele que foi um dos maiores vultos da poesia nacional.
Dedicou-se à filantropia, utilizando a sua exímia arte poética para angariar fundos, quer para ajudar os mais necessitados, quer para causas públicas, de que é exemplo este magnífico “monumento a Camões” que aqui podemos vislumbrar.
Faleceu no dia 19 de março de 1914, na cidade de Coimbra, solteira e com 73 anos de idade. A morte da poetisa causou uma profunda consternação segundo testemunhos da época.
O Município de Coimbra prestou-lhe uma justa homenagem, ao dar o nome de Amélia Janny a uma das suas ruas, juntando-a assim aos topónimos de ruas adjacentes como Gil Vicente, Teixeira Pascoais ou Luís de Camões.
Jovens Sereias
Em Montarroio, foi a vez de evocar Luísa de Jesus, uma das mulheres mais controversas da história de Portugal, cujos crimes hediondos, cometidos em Coimbra, chocaram a sociedade portuguesa do século XVIII. A apresentação ficou a cargo da vereadora Ana Cortez Vaz.
Luísa de Jesus, a última mulher executada em Portugal (1748-1772)
Nascida em Figueira do Lorvão em 1748, Luísa de Jesus era uma mulher do povo, que veio para Coimbra viver e trabalhar como recoveira, transportando mercadorias a troco de pagamento. No contexto deste ofício, começou a fazer o transporte de bebés da Roda dos Expostos, uma instituição onde eram deixados os recém-nascidos cujas mães não tinham condições para criar, para os entregar a famílias de acolhimento. A Roda, ao tempo administrada pela Misericórdia de Coimbra, pagava às famílias por cada enjeitado adotado 600 réis e um enxoval, composto por um berço e meio metro de um tecido grosso de algodão.
Percebendo a potencialidade do negócio, Luísa de Jesus engendrou um plano que teve tanto de empreendedor como de diabólico: daria nomes de pessoas que conhecia, ou nomes fictícios e, na qualidade de recoveira, iria buscar um bebé para entregar essas pessoas. Mas, ao contrário do que seria esperado, esse bebé nunca chegaria ao destino, pois Luísa levava-o para sua casa, situada precisamente aqui em Montarroio, e asfixiava o pobre coitado até à morte, enterrando-o posteriormente num local inusitado perto de casa, ou até mesmo dentro do seu próprio domicílio.
Como Luísa era conhecida de uma ama e também da responsável pela Roda, nunca houve lugar para desconfianças, mesmo quando já começava a ser elevado o número de vezes que fazia isso, o que poderíamos considerar hoje como negligência criminosa.
Eis que, nos inícios de abril de 1772, Angélica Maria, trabalhadora na Roda dos Expostos, encontra um cadáver de um bebé ainda com marcas de estrangulamento que estaria mal enterrado em Montarroio. O bebé tinha ainda traços e vestes iguais ao que teria sido levantado dias antes por Luísa de Jesus. Começava assim o processo mais macabro do século XVIII português.
Chamadas as autoridades ao local, dá-se início à investigação. Luísa é detida e interrogada. Nos dias seguintes vão sendo encontrados mais bebés enterrados no mesmo local. No dia 19 de Abril de 1772, e com 15 bebés encontrados, Luísa de Jesus confessa ter assassinado 9 deles, mas continua a negar os outros 6.
Nessa altura, já a ama e a dirigente da roda teriam sido presas por terem supostamente permitido que Luísa de Jesus fosse buscar bebés a mando de outras pessoas sem nunca se terem preocupado com a veracidade das moradas e nomes que ela lhes dava.
Com a continuação das investigações, todas as dúvidas são dissipadas quando os juízes ordenam que sejam feitas buscas à casa de Luísa de Jesus, sendo nela encontrados ao todo mais 18 corpos de bebés, muitos deles em avançado estado de decomposição. Rebenta o escândalo. Como foi possível uma jovem mulher, de apenas 24 anos, matar com as suas próprias mãos os pobres enjeitados que ia buscar à Roda dos Expostos?
Na casa da jovem, foram encontrados num pote de barro, “vários pedaços de cadáveres corrompidos, e fétidos, sem se poder divisar o seu número senão por três caveiras que nele estavam. Debaixo de uma pouca de palha se acharam quatro cascos de cabeças com a carne comida, e um corpo de criança organizada, mas já corrupta. Ultimamente enterrados na mesma casa dez cascos de cabeças de inocentes sem o menor vestígio de outro algum osso”.
A defesa de Luísa de Jesus ainda tentaria alegar a sua tenra idade, tentando assim que não fosse responsabilizada, por ainda ser menor, pois na altura as mulheres só atingiam a maioridade aos 25 anos, mas os juízes acharam que se teria idade suficiente para cometer tais crimes, também teria idade para por eles ser julgada.
E assim, num processo inédito no Reino, julgado pelo intendente Pina Manique, foi decidida aquela que seria a última execução de uma mulher em Portugal. O veredicto dos juízes foi unânime: condenam a dita ré Luiza de Jesus a que (…) seja atenazada, e levada ao lugar da forca; e nele lhe sejam decepadas suas mãos: seja o seu corpo queimado, e reduzido a cinzas, para que nunca mais haja memória de semelhante Monstro (…) Lisboa, 1 de Julho de 1772.
O percurso terminou na Praça 8 de Maio, cabendo à vereadora Ana Bastos lembrar Sebastiana da Luz, uma mulher do povo cujo espírito empreendedor a levou a tornar-se numa exímia mulher de negócios sem paralelo em Coimbra, credora de nobres e mercadores.
Sebastiana da Luz, mercadora de capitais
Nascida no Bairro Alto de Coimbra, Sebastiana Maria da Luz era filha de Domingos Álvares, mercador, e Joana Rodrigues. Com a morte do pai, em 1728, Sebastiana fica à frente de um dos seus negócios, uma pequena mercearia, na qual se vendiam mercadorias miúdas não comestíveis como fitas, botões, tesouras, navalhas, pentes, etc.
Sebastiana nunca se casou. Foi irmã de uma Ordem Terceira e ainda das irmandades da Senhora da Piedade de Celas, de Nossa Senhora da Conceição da igreja paroquial de São Pedro, de Nossa Senhora da igreja do Salvador e de Nossa Senhora do Rosário do convento de São Domingos. Sabia ler e escrever, tendo uma assinatura perfeita, revelando à-vontade com a escrita, o que lhe conferia aptidões invulgares nas mulheres do seu meio para a gestão dos negócios.
No entanto, seria a concessão de crédito o seu principal negócio, tornando-se numa verdadeira mercadora de capitais, o que lhe permitiu quadruplicar a herança que recebera do pai. À data da sua morte, a 24 de Maio de 1754, a fortuna de Sebastiana rondava os 4 milhões de réis. Movimentava-se no mundo do crédito formal e informal, emprestando a juros de 5% através de contratos em escritura notarial, ou a troco de penhores ou, ainda, segurando-se em meros “escritos” ou “assinados”. Prudente mulher de negócios, concedia muitas vezes pequenos empréstimos a gente mecânica, a quem não era difícil constranger ao pagamento dos juros.
Por testamento de 31 de Dezembro de 1752, Sebastiana nomeou a Santa Casa da Misericórdia de Coimbra sua herdeira e testamenteira, encarregando-a de lhe fazer o funeral e do cumprimento de alguns legados e obrigações, como missas pela sua alma, o sustento das suas criadas, bem como facilitar o casamento a afilhadas e órfãs, para quem reservou 250 mil réis.
Embora fosse uma mulher do povo, Sebastiana viveu com bastante desafogo em casa própria, dormindo em leito de armação, vestindo boas saias e mantilhas e adornando-se com cordões e brincos de ouro e pérolas. Servida pelas suas criadas, que tanto estimava, foi decerto lisonjeada por muitos que a ela recorriam, desde os fornecedores, clientela e devedores, sendo garantidamente odiada pelos que lhe pediam dinheiro e a ouviam exigir como penhor as argolas da mulher ou o cordão da filha.